terça-feira, 10 de maio de 2022

Mercado do Futebol: uma questionável e complexa contabilização – Por Carlos Barbosa

*Coluna por Carlos Barbosa, 10/05/22

Quando se fala em negócios, é natural que os recursos tangíveis encabecem o pensamento dos empresários. Mas, paulatinamente e cada vez mais, o mundo vem sofrendo alterações na sua forma de se comunicar e essa transformação paralelamente plantou a forte percepção da intangibilidade associada aos relacionamentos sócio-econômicos. Apesar da clara consciência e sensação da existência dessa intangibilidade, a sua mensuração está mais no âmbito da complexidade e discussão. Dentre os vários exemplos que podem ser expostos como representantes do que impulsiona a consciência coletiva ao consumo da intangibilidade, cito três associados ao esporte: a reputação de um clube esportivo; a imagem e nome de um atleta; e a força da marca de um time.

O CPC 04-R1 (2010), e o seu correlato internacional IAS 38, descreve Ativo Intangível como um Ativo sem substância física, com valor definido pelo mercado, sem ser fixo e sem estar sujeito a impacto inflacionário (Não Monetário), que pode ser separado da empresa (identificável) e negociado de várias formas. Já a definição de Ativo pelo CPC 00-R2 (2019), ou pelo seu internacional correlato Conceptual Framework, é apresentada como um direito presente, com potencial de gerar benefícios econômicos, controlado pela entidade (única definidora de uso e dos benefícios) como resultado de eventos passados. Assim, resumidamente, o Ativo Intangível, para se caracterizar como tal, precisa de ser não monetário, identificável, controlado e gerador de benefício econômico futuro.

O mercado mundial do futebol na atualidade é um negócio bilionário, cuja moeda de troca principal é o atleta de alto desempenho. Cada atleta pode ser negociado entre os clubes, dentro de uma janela temporal de negociação, mesmo que seja antes do fim da vigência dos contratos, mediante o pagamento de uma taxa de transferência contratual. Esta taxa vem alcançando patamares cada vez mais astronômicos nesse mercado. Mas é importante destacar que, a FIFA regula um período de proteção de 2 anos para os contratos, e depois disso o jogador passa a ter o direito de quebra unilateral do contrato. Isso mostra que, a partir de então, a negociação da transferência de um jogador entre dois clubes só se efetiva mediante o consentimento do profissional. A transferência do jogador brasileiro, Neymar Jr., do Barcelona para o Paris Saint-Germain, na temporada 2017/2018, tornou-se a mais cara da história do futebol mundial até hoje, alcançando um patamar de 222 milhões de euros. Esse mercado, que busca a vitória dos campeonatos, através da performance e talento dos jogadores, está associado também a outros negócios que podem ser partilhados entre clube e jogador, como as receitas advindas dos direitos de imagem.

Contabilmente, a taxa de transferência paga nas negociações do futebol costuma ser divulgada no Balanço Patrimonial como Ativo Intangível e, em seguida, suas amortizações mensais reconhecidas na Demonstração do Resultado do Exercício (DRE). Porém, o trabalho de Campa (2021) questiona esse reconhecimento como Ativo Intangível, uma vez que uma das características necessárias para um Ativo ser reconhecido Contabilmente é que a empresa tenha o Controle desse Ativo. Esse controle parece não existir, uma vez que, para as transferências serem efetivadas, o clube precisa da anuência do jogador, revelando aqui que a empresa não é a única definidora do uso desse direito e parecendo muito mais este direito estar com o jogador. Campa (2021) sugere que os órgãos que regulam o futebol, como a FIFA e a UEFA, devem aplicar mudanças neste âmbito, aumentando o controle dos clubes de futebol sobre os registros dos seus jogadores, desde que preservadas as condições pessoais, econômicas e profissionais dos atletas. Assim, o problema de caracterização de um Ativo pela falta do Controle seria resolvido.

Por outro lado, o trabalho de Maglio e Rey (2017) não questiona o reconhecimento da taxa de transferência como um Ativo e nem questiona a sua Intangibilidade. Pelo contrário, este trabalho reconhece como os maiores Ativos divulgados nos Relatórios Contábeis dos clubes de futebol, tanto os registros de jogadores advindos de pagamento de uma taxa de transferência, quanto os estádios e a infraestrutura de treinamento. O que este trabalho critica é a limitação da comunicação financeira dos clubes de futebol.

Segundo o CPC 01-R1 (2010), e o seu correlato internacional IAS 36, que trata de Impairment, menciona que os Ativos estabelecidos no alcance da regra, inclusive os Ativos Intangíveis regidos pelo CPC 04 (IAS 38), devem ser registrados Contabilmente por um valor que não exceda seu Valor Recuperável (Redução ao Valor Recuperável ou Impairment). Entende-se como Valor Recuperável o maior montante entre o seu Valor Justo líquido de despesas de venda (definição de valor acordado entre as partes e baseado no mercado) e o seu Valor Presente dos Fluxos de Caixa futuros esperados de um Ativo ou de uma Unidade Geradora de Caixa (Valor em uso).

O estudo de Maglio e Rey (2017) aponta grandes diferenças de entendimento dos clubes de futebol na determinação de qual a mais adequada Unidade Geradora de Caixa (UGC) para servir de base para o cálculo do Valor Recuperável: o time como um todo; cada jogador individualmente; ou o conjunto do time, estádio e infraestrutura de treinamento. Para aqueles que definem o time como a UGC, a explicação decorre do fato do conjunto dos atletas ser o responsável pela capacidade de geração de fluxos de caixa, e se porventura o time não se classificar para determinado campeonato, ele precisa ter a possibilidade de ter seu valor Contábil ajustado, se for necessário. Para aqueles que definem como UGC o jogador individualmente, a explicação é que a qualquer momento pode haver queda no rendimento de determinado atleta, seja por problemas de saúde, seja por outro motivo, e então precisa ser possível ajustar o valor Contábil deste jogador individualmente, se necessário for. Para aqueles que definem como UGC, o conjunto do time, estádio e infraestrutura de treinamento, a explicação deve-se ao fato de que apenas o conjunto como um todo é capaz de gerar fluxos de caixa. Não há um consenso aplicável na determinação da UGC, de forma a possibilitar a Redução ao Valor Recuperável de Ativo (Impairment), através de ampla harmonia de entendimento. Esse problema gera uma dificuldade de efetivação dos ajustes de valores regidos pelas regras Contábeis, prejudicando a qualidade da comunicação contábil-financeira.

Face ao exposto, vê-se que o reconhecimento Contábil das variáveis, associadas aos negócios realizados pelos clubes de futebol, não apresentam uma padronização. Não apenas a classificação de Ativo é contestada, como também a determinação de Unidade Geradora de Caixa é confusa. A diversidade de pensamentos e tratativas sobre as questões é tanta que, acaba por impactar a característica qualitativa da utilidade informativa (representação fidedigna), uma vez que reduz o poder de comparabilidade entre as demonstrações Contábeis dos clubes, gerando um questionável e complexo controle.

**Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do ENB.

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