Dois dias após a nomeação da nova Primeira Ministra, a família real britânica anuncia a morte de sua monarca Rainha Elizabeth II ao país e ao mundo.
Conhecida por sua força unificadora, a Rainha incorporava, para a maioria da população britânica, firmeza, tradição e continuidade, exercendo seu soft power de forma delicada e discreta, no entanto assertiva.
A capacidade da rainha de navegar pelas complexidades do relacionamento entre Escócia, Irlanda do Norte, País de Gales e Inglaterra era admirável por qualquer político inglês.
Constitucionalmente, o monarca britânico tem um papel altamente circunscrito. Como chefe de Estado, ele, em sua competência, incorpora a unidade e as tradições do Reino Unido, mas incorpora também poderes de prerrogativa, como o poder de nomear um novo primeiro-ministro, dissolver o Parlamento e dar parecer favorável às contas do país.
Na política global, seu poder é vital. E o soft power da Rainha era uma importante ferramenta de política externa. Considerando que o hard power – a capacidade de coagir – cresce a partir do poder militar ou econômico de um país, o soft power surge da capacidade de atrair ideais políticos e persuadir as políticas de um país. É o soft power que ajuda a lidar com questões globais críticas que requerem cooperação multilateral entre os Estados. E a Rainha exercia esse papel com maestria.
Para o novo rei britânico, Charles III, restará a tarefa árdua de sucessão da popularidade da Rainha Elizabeth II, a começar pelas relações com a Irlanda do Norte.
Em um ambiente em que a maioria na Irlanda do Norte votou pela permanência na União Europeia, tendo sido decepcionada pelo acordo do BREXIT – que criou novas barreiras alfandegárias entre aquele país e a Grã-Bretanha continental, a mudança do trono poderia fortalecer essa vulnerabilidade e seguir em direção a uma Irlanda Unida (Irlanda e Irlanda do Norte).
De fato, pouco depois da morte do príncipe Philip em 2021, uma pesquisa realizada na Irlanda do Norte mostrou pela primeira vez que a maioria da população se considerava irlandesa, não britânica. O que poderia resultar em uma mudança sutil, aliviando os laços emocionais com o Reino Unido.
Já a Escócia, apesar de sua longa busca pela independência, é improvável que apresenta mudanças em seus desejos políticos de forma significativa com a sucessão do trono.
O papel da rainha como chefe de Estado britânico não foi meramente simbólico. O país perdeu sua estadista mais importante na era pós Segunda Guerra Mundial.
Primeira-ministra
Após aceitar a renúncia de Boris Johnson, a Rainha congratula Liz Truss como a nova primeira-ministra britânica, em tempos em que nuvens de tempestade se intensificam sobre a economia britânica.
Em seus primeiros discursos públicos como primeira-ministra, Liz Truss prometeu proteger os britânicos do impacto do aumento dos custos de energia e a implantação de um “plano ousado” para revitalizar a economia, defendendo que, trabalhando juntos, o país poderia superar os desafios econômicos agudos que vem enfrentando. Inspirada nas famosas instruções de Winston Churchill, líder britânico em tempos de guerra, Liz Truss prometeu “tomar medidas neste dia e agir todos os dias para que isso aconteça”.
“Por mais forte que a tempestade possa ser, sei que o povo britânico é mais forte”, disse Truss, referindo-se ao choque dos preços da energia, à desaceleração do crescimento e à inflação de dois dígitos, acrescentando: “juntos, podemos sair da tempestade”.
China
Truss vê a China como uma ameaça à ordem internacional, baseada em regras que governaram o comércio e a diplomacia pós-Segunda Guerra Mundial, e ela vê como seu papel construir barreiras contra isso.
No ano passado, como Secretária de Relações Exteriores, Truss alertou que o Ocidente poderia perder o controle do comércio global a menos que barreiras contra Pequim, através de reformas da Organização Mundial do Comércio, fossem impostas.
“Os países devem jogar pelas regras e isso inclui a China”, disse ela em um discurso no início deste ano, acrescentando que Pequim estava “construindo rapidamente um exército capaz de projetar poder profundamente em áreas de interesse estratégico europeu”.
Truss alertou que se a China não seguisse as regras globais, reduziria sua ascensão como uma superpotência e deveria temer reações do Ocidente, tomando como exemplo a robusta resposta econômica ocidental à invasão da Rússia na Ucrânia. Enfatizou ainda, que Taiwan precisa estar segura e protegida frente à tentativa de domínio por Pequim.
Na verdade, as relações entre Londres e Pequim pioraram consideravelmente na última década. O Reino Unido passou a se preocupar com sua segurança nacional à medida em que seu território abria portas aos investimentos chineses. E a assertividade militar e econômica da China aumentou ainda mais essa preocupação, sobretudo frente à sua agenda de livre comércio pós-BREXIT.
Recentemente, o governo britânico passou a limitar o envolvimento da China no setor de energia nuclear do país e assinou um pacto de defesa para fornecer à Austrália a tecnologia necessária para construir submarinos nucleares, com o objetivo de fortalecimento frente ao crescente poder e influência da China. Truss apoiou todas essas iniciativas.
Portanto, Truss poderá impor mais restrições à China para limitar aquisições de empresas britânicas e pode fortalecer a união entre países para combater a ascensão da China.
União Europeia
Em relação à União Europeia, ela segue uma linha de Euroskepticism – doutrina política europeia que defende o desligamento da União Europeia e geralmente apoia controles de imigração mais rígidos.
América
Assim como Truss foi sujeita às críticas da esquerda britânica, também poderá estar sujeita às críticas da esquerda norte-americana. A este respeito, Truss se assemelha a Margaret Thatcher. A esquerda americana desprezava Thatcher quase tanto quanto difamava Ronald Reagan, seu ‘grande amigo e alma gêmea ideológica’. Por outro lado, ainda que seja pouco provável que Truss e Biden desenvolvam o mesmo grau de amizade que marcou a relação Thatcher-Reagan, já que suas opiniões sobre questões nacionais não se assemelham, há várias outras razões para esperar que a “Relação Especial” entre os dois países permaneça sólida.
Da mesma forma que Biden, Truss é radicalmente contra a invasão da Ucrânia pela Rússia. E ao contrário de alguns dos parceiros ocidentais de Biden na OTAN, Truss não mostra sinais de recuo na ajuda à Ucrânia. De fato, a Grã-Bretanha assumiu a liderança no treinamento das forças ucranianas, e com mais de US$ 4,5 bilhões de auxílio àquele país, a Grã-Bretanha fica atrás apenas dos EUA no apoio à nação em guerra.
Assim como Biden, Truss é uma forte apoiadora da adesão da Suécia e Finlândia à OTAN. A Grã-Bretanha há muito tempo mantém laços políticos e militares estreitos com os Estados Nórdicos. Londres também envia forças para a Estônia e para a Polônia como parte do impedimento da OTAN contra uma ação da Rússia.
Além disso, ambos os líderes compartilham uma visão comum das ameaças que a Rússia e a China representam aos interesses ocidentais. Biden, como Truss, tem forte interesse no sucesso da AUKUS – Pacto de segurança trilateral entre Austrália, Reino Unido e Estados Unidos, anunciado em 2021.
Truss também compartilha a preocupação de Biden com a estabilidade no Oriente Médio, sendo cautelosa com a problemática e atividade terrorista do Irã na região. E aeronaves e drones britânicos continuam a ser lançados contra alvos do ISIS na Síria e no Iraque, complementando assim as operações militares americanas contra o grupo terrorista.
Truss tem sido criticada por tentar se concentrar mais fortemente na cooperação econômica com a América após o BREXIT. No entanto, do ponto de vista americano, Londres está mantendo uma relação cada vez mais estreita com Washington.
Portanto, sob a liderança de Truss, a relação de inteligência britânico-americana provavelmente permanecerá tão forte como sempre.
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