quarta-feira, 24 de agosto de 2022

As forças contra a globalização e as transformações da cadeia de suprimentos global – Por Beatriz Canamary

*Coluna por Beatriz Canamary, 24/08/22

Ao longo das últimas décadas, as multinacionais mudaram profundamente suas estratégias e configurações para aproveitar as oportunidades da globalização e lidar com a complexidade de seus ambientes internacionais dinâmicos. À medida que as empresas se internacionalizam, elas encontram novas situações que apresentam oportunidades e desafios para o aprendizado e a criação de valor. Gerenciar e aproveitar a complexidade de diversos ambientes entre os vários países onde atua tem sido crucial para o sucesso da empresa global.

A crise do COVID-19, os efeitos econômicos pós-pandemia, o atual conflito na Ucrânia,  as constantes tensões entre Estados Unidos e China (incluindo a recente visita de Pelosi à Taiwan) e o atual ambiente global de “desordem” trazem mudanças ainda mais drásticas, com profundas consequências para os negócios globais, afetando a internacionalização, a estratégia, a gestão e os padrões de comércio e investimento internacional, expondo, cada vez mais, as vulnerabilidades das cadeias de suprimentos globais. As multinacionais enfrentam problemas estratégicos e operacionais que incluem: (i) dificuldades nos fluxos internacionais de bens, serviços, tecnologia e informação, e no marketing e estratégias de marca globais; (ii) restrições à imigração, dificultando a transferência de pessoal das empresas multinacionais entre suas subsidiárias e para ocupar posições especializadas em países subdesenvolvidos; (iii) a incerteza das “regras de direito” como resultado do enfraquecimento das instituições internacionais, como a OMC, dentre outros.

Assim, as decisões estratégicas das multinacionais, como expansão internacional, global sourcing, offshoring, fusões e aquisições internacionais, estratégia de localização, gestão de risco, enfim, gestão, coordenação e governança das cadeias globais de suprimento estão sendo revisitadas, vis-à-vis as transformações políticas, econômicas e sociais que estão remodelando o chamado “mundo globalizado”.

É evidente que a ordem de comércio global está se transformando substancialmente. A década de 2020 marca uma era de novas tecnologias, mudanças de poder econômico global e enormes mudanças demográficas e geográficas. As tecnologias disruptivas estão avançando mais rápido do que a capacidade das empresas de gerenciá-las e mesmo de utilizá-las para ganhar vantagem competitiva. Inovações rápidas estão afetando estilos de trabalho e estilos de vida, levando as empresas a buscar novos modelos de negócios, mas infelizmente criando “vencedores e perdedores”. A volatilidade geopolítica, o nacionalismo, protecionismo, populismo e a instabilidade do mercado provocam dificuldades econômicas, desigualdade de renda e crescentes riscos e incertezas num movimento que muitos chamaram de “desglobalização”. As interrupções se espalham rapidamente em um mundo interconectado.

Entretanto, ainda que essas forças contra a globalização estejam evidentes em todo o mundo, governos e organizações continuam colhendo os grandes benefícios de um mundo completamente interconectado. Referidas crises e interrupções mostram que a globalização não está enfraquecendo, mas sim se transformando. Algumas características da globalização, como colaboração científica e conectividade digital, aumentaram dramaticamente desde o início da pandemia. Da mesma forma, a automação tem feito mudar a vantagem comparativa de locais de baixo custo e baixa qualificação para os principais mercados, onde habilidades superiores e máquinas estão disponíveis. É uma transformação de globalização geográfica para globalização tecnológica. Enquanto políticos reforçam o apelo para trazer a produção de volta para casa, essa reestruturação das cadeias de suprimentos reshoring ou “near-shoring” de serviços e manufatura não reverterá a globalização, mas a transformará.

Em última análise, a globalização precisa de uma melhor gestão e as empresas têm sido forçadas a repensar suas cadeias globais de suprimentos, que historicamente foram gradualmente moldando-se, reforçadas pela lógica “lean”, a fim de maximizar a eficiência e os lucros à custa da resiliência. Embora a manufatura e as cadeias de suprimento enxutas (lean) fossem consideradas a forma mais indicada de produção, as desvantagens de um sistema que requer uma integração com mecanismos de coordenação amplos e complexos, com relativa estabilidade e sincronização estão agora sob revisão. Um artigo recente da McKinsey sugere que quanto mais complexa a cadeia de suprimentos, maior o risco de interrupção – o que pode causar uma perda de até 45% do EBITDA anual por década. A necessidade de resiliência deixada clara pela fragilidade das cadeias de suprimentos globais na resposta à pandemia, ganhou prioridade na agenda dos executivos.

As empresas estão tendo que repensar as suas cadeias de suprimento, considerando possíveis interrupções em um determinado fornecedor, distribuidor, região geográfica ou mudanças na política comercial de determinado país ou bloco comercial. Muitas empresas estão revisando suas políticas de terceirização e offshoring para uma política de “China + 1” ou “China + 2” para reduzir a dependência de apenas uma fonte de fornecimento, além do aumento de estoques e capacidade estratégicos, pelo menos para componentes, peças e atividades críticas. Isso significa construir algum nível de redundância, o que aumenta os custos e potencialmente reduz o risco. Uma transição de “just-in-time” (“à tempo”) para “just-in-case” (“caso precise”).

Essa nova ordem de globalização põe os atuais líderes da cadeia de suprimentos global em uma posição extremamente desafiadora: a pressão de suas organizações e o mandato para fazer as mudanças necessárias de forma eficaz. E eles podem fazer isso reconhecendo as três novas prioridades ao lado dos objetivos tradicionais da cadeia de suprimentos: custo/capital, qualidade e serviço, redesenhando-as adequadamente. Essas novas prioridades são: resiliência, agilidade e sustentabilidade.

A resiliência deverá incluir soluções de gestão de riscos, como a introdução de métricas de resiliência nos KPIs da cadeia de suprimentos da organização, garantindo que as decisões de desenho e execução dessa cadeia de suprimentos sejam tomadas de forma a equilibrar eficiência e vulnerabilidade. A agilidade deverá equipar as empresas com a capacidade de atender às necessidades de clientes e consumidores em rápida evolução e cada vez mais voláteis, visto que a fidelidade do cliente não é mais um dado adquirido. Em um mercado global de rápidas mudanças, fragmentado e centrado no consumidor exigirá um tipo diferente de cadeia de suprimentos, em que as tradicionais estratégias de estabilidade e redução de custos dá espaço ao dinamismo, capaz de prever, preparar e responder à demanda em rápida evolução e a um mix de produtos e canais em constante mudança, ou seja, mover-se na mesma velocidade dos consumidores. E finalmente, a sustentabilidade reconhece o papel fundamental que as cadeias de suprimentos desempenharão na transição para uma economia limpa e socialmente justa.

**Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do ENB.

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